segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Poesias Mudas

Poesias Mudas


a concentração de tudo aumenta na razão inversa da altitude e do desprendimento
(conseguido)
obtêm-se empíricas fórmulas do mundo - uma questão de panos e hábitos, com que se cosem
os nomes e os sonhos vivem

há um patamar acima do qual o silêncio, nos assusta
prosseguindo numa espécie de onda mater pela qual todos
teremos de passar

uma definição vazia, onde a minha mão entra e se dilata até à
plenitude do espaço

sinos, sinos, sinos
húmidos e voláteis, retinem-me no córtex

poderia de uma só vez, habitar essa vontade
injectando poesias mudas

ao comprido, cingo-te
esboço a tua cintura, o teu pescoço
é uma dose de saliva que engulo

o mar hoje cala-se
também

© 2017, José Coelho



sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Ordinarily, One Lives / Vulgarmente, Vive-se

Vulgarmente, Vive-se

Sabemos que para além deste lugar, só o teu véu
e esse corpo de areias finas, miragem
perene ou não, lúcula corporal. Eis-nos pois
débeis criaturas sorvendo o orvalho, folha a folha
e algo como esperança fecunda

a imaginação – esse colectivo de neuro transmissores, apto
à criação de falsas mentiras - abandona-se ao despropósito
e nas ilusões mais doces nasce o fel
do desengano

Julgámos ter avistado, ontem
a serena beleza dessa praia, por entre cortinas
de ramos e folhagem, a tua
respiração

e assim alimentados fomos
sentindo por instantes o estímulo
da coragem e a vertigem foi
o bastante

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Ordinarily, One Lives

We know that beyond this place, only your veil
and that fine sand body, a mirage
perennial or not, a luminous body wrinkle. Here we are then
weak creatures sipping dew, leaf by leaf
and something as hope impregnates

imagination - that neurotransmitters' collective, fit for
the creation of false lies - abandons itself to nonsense
while within the sweetest of illusions the gall of disenchantment
is born

We thought we saw, yesterday
that beach serene beauty, among curtains
of branches and foliage - your
breath

and thus fed we became
feeling for moments the courage's
stimulus and the vertigo was
more than enough

© 2017, José Coelho



terça-feira, 3 de outubro de 2017

Inevitably Unresolved

Hard Leather Tie

Those days when the bus arrived
people got into it
we got into it - me and the people -
I say there was a profane
litany in the journey
emanating from an ambiguous location
questions without answers
repeatedly coming

while concentrating the gaze on the thought
outside, I say
there was a methodical swaying
comparable to that of a hard leather tie
suspended from the rod, confining
the hands they held, firm

the same vivid, drunken questions
answers trying to silence the
green, cruel, humiliating monster
which always renounced quiting
(me)

At those hours the river was
badly defined, the city alienated
the streets were dying in
a few meters or even
debated into an infinite
submerged by mist’s chance
the chest’s weight swallowing it all in a dark blue suffocation

By the hands – all by themselves -
neither Amsterdam, nor Lisbon
just the sky
inevitably unresolved.


©2017, José Eduardo Coelho

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

De Clavells i D'altres Desitjos

De Clavells i D'altres Desitjos

Na primavera os árabes
saíram à rua em desobediência democrática
e penaram as almas e os corpos
ante a inópia e a arrogância

vís são os tiranos! Ouvia-se cá
deste lado e nós
numa comunhão de direitos
humanos enaltecemos
essas vozes, tantas logo
sonegadas

Andámos a lutar por pão
saúde, educação e       já agora liberdade
de expressão - onde, quando, para quê -
e agora turvam-se as opiniões
que são questões internas, que
a constituição isto e os juízes
aquilo – como se a vontade deste povo fosse
uma coisa ruím, uma demência a tratar
à luz de uma lei hipócrita
democrática mente ditando silêncios
obrigatórios

e depois há aqueles – políticos - sempre
a pedir mais
participação, envolvimento, consciência cívica
adesão – pois para esses, digo eu
querem mais envolvimento que este que banha
as vossas nalgas
e destempera os vossos desígnios? - a bem
de uma união
à força

(Sem esquecer que até os Curdos…)

Que nasça o momento de lucidez e que a coroa
brilhe apenas depois do povo falar.


© 2017, José Coelho

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Acabemos Com A Nostalgia

Acabemos Com A Nostalgia

As grades em ferro, que lá continuam
e tantas vezes saltámos; os frondosos plátanos
que me acariciavam as manhãs e aos quais
tão amiúde subimos, escondendo-nos
nas suas ramagens, qual pardais
continuam lá; o chão duro
de alcatrão, gravilha e cimento, onde
não raramente senti o baque da queda nos
braços e pernas, continua lá
A rua virada a nascente
capaz de reter entardeceres húmidos
com o seu pinheiro nórdico no final, mesmo
junto ao jardim-de-infância
continua lá - e é uma aberração
esta permanência, quando nada, mesmo
nada continua lá. Mudem tudo

Merda! De uma vez. Escuso de andar
de lado, quando passo na minha rua
a evitar o olhar das velhas – que essas sim
por lá andam ainda, mais velhas que a loiça
e que os esgotos, a vender saúde
derivado aos conselhos da minha mãe -
já ida – escuso de roçar a casa que sempre será
minha e sentir uma força a puxar-
me para o interior de mim mesmo, sem
grades ou ferro que me detenham; por isso fujo
e volto na esperança de que seja lesta
a renovação – ou será que
imagino tudo?
Isso.

© 2017, José Coelho


terça-feira, 29 de agosto de 2017

A Promise

A Promise

I'll soon become
for the greatest part
the real man, men had 
expected could overcome
and be, over
the years

The minor part - an art -
will be held hostage
and remain
here, waiting for
you

Don't let me
down!

© 2017, José Coelho

domingo, 27 de agosto de 2017

Desafios e Conquistas

Desafios e Conquistas

Temo em dizer-te que o sono
me pesa já nos dedos
que há pouco te urdiam
constelações de desejo
numa anatomia de deserto
vã, porém
promissoramente fértil e

que o ultraje se instalou já, no seio
dos pequeninos deuses -
aqueles cujas lágrimas são
perfeitas doses
de veneno a pedir língua
e dedos capazes de
coito
e cinzas

subtilmente ágeis, as penas afagaram
ontem este céu purpurado
e de novo rumaram
ao mais longínquo dos suis -
aquele onde almejam o conhecimento
dos nomes e a engenharia
do fogo

A alegria virá sempre
um dia, lamber as margens
dos rios inesquecíveis; dos pés
e mãos que ficarem
edificar-se-ão as novas cidades
e da vontade surgirão lautas
florestas castas

Temo em dizer-te que tudo
não passa de um
pantagruélico e eloquente
sonho.

© 2017, José Coelho

sábado, 12 de agosto de 2017

Num Sábado Diferente

Num Sábado Diferente

É enternecedor entrar naquele reino
de farinhas. O sr Zé, de avental por cima
dos calções e sandálias romanas
envolvido numa nuvem, misto de
grelhada e fermento, mãos brancas e
cara sorridente
destaca-se pela azáfama. Ao seu lado
a sobrinha, Inês, ri desalmadamente
em tons tintos de gaivota, perscutáveis
desde o início da rua. Ao fundo da sala
o improviso - num dos fornos
um fogareiro fabrica o fumo e as
deliciosas tiras de carne. Num tabuleiro
há pães e várias garrafas de vinho
sempre alentejano. Sentada e
arrumada, a mãe do Nito vai comendo a
broa – receita especial da tia Ermelinda -
e olha apaziguadamente
pr'a mim.
Pelas nove da manhã, na padaria
vive-se um festim de almoço. Entro
para fazer contas, apenas
mas sou assediado, até mesmo
pela Paula – que não me grama
a brincar.
Será este um dos últmos sítios onde, normalmente
me perguntam – quanto vem pagar?
E para mais me oferecem
o riso e o pão, a carne e o vinho
num sábado
diferente.

© 2017, José Coelho


sexta-feira, 11 de agosto de 2017

A Poet

A Poet

is an ordinary individual
with creative anxiety
and a stubbornness beyond doubts
and certainties; an irrational
conviction of existing embedded in something
that mottles and provokes
life

A poet is a reinventor – each time
he writes, he writes
the illusion of words

There is
a sentiment of change linked to
the poet - he can, in fact
finish or start the world
in a spit of soul
and quill

We are all born with a
little poet inside
of us arise as well the antibodies that shall
wither and placate him

When we get rid of all the trash
the poet is reborn and overwhelms
simply because
it's his nature to emerge
on top

Without poets we would be, for sure
just a kind of
humans.

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Um Poeta

é um indivíduo comum
com uma ansiedade criadora
e uma teimosia para além das dúvidas
e das certezas; uma convicção
irracional de existir embebido em algo
que matiza
a vida e a provoca

Um poeta é um reinventor – de cada
vez que escreve, ele escreve
a ilusão das palavras

um sentimento de transformação associado
ao poeta – ele pode, de facto
terminar ou começar o mundo
num esgar de alma
e de pena

Todos nascemos com um
pequenino poeta dentro
de nós surgem também os anti-corpos
que o definham e aplacam

Quando nos livramos de todo o lixo
o poeta renasce e avassala
simplesmente porque
é a sua natureza vir
ao de cima

Seguramente, sem poetas seríamos
apenas uma espécie de
humanos.


© 2017, José Coelho


segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Life Is Fiction

Life Is Fiction

Poetry is fiction
life is real
poets are real
instruments of fiction
fiction is real, in reality
and otherwise
true, real
fiction is real and
poetry is real
as far as made by
poets or
machines made by poets
in any case
true life is poetry
thus
fiction.

© 2017, José Coelho




sábado, 5 de agosto de 2017

Alboran Sea

Alboran Sea

I would love to measure the distance
between us, an unthinkable Alboran sea

Birds' cries are heard, south and north
mirroring the unspoken alphabet
only we shall come to speak

At this point the feeble laps against the boat's hull
became stronger as another ship sailed
up the river; I raised my head before this
warm incident

to see you, let's go beyond the idea of
drainage – that could take eternities and
my faith is an ephemeral
element
People get familiar on water, as if back to
mother's womb – they wave and smile at their
own illusions – the same within the
diaspora.

But you, are not a mere illusion
in my dreams your blood clots the strait between
both pillars.

© 2017, José Coelho



sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Irremediable Condition

Irremediable Condition

The few times I have seen her
her exuberant hair - long curly
waves conquering her back
wrapping her serious smile in a
dark silver cuddle - persisted
as a symbol of our hopeless
love.

© 2017, José Coelho


quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Considerações Baronescas

Considerações Baronescas

I
Todas as manhãs ocupo a posição do sol
da mesma colina do declínio, observo o fascínio
Iludem-me os desnexos das constantes repetições
no dia que entra. A jorros de noroeste
um contínuo sacudir de estevas e acácias ensaia o vento
e envolve

a desconhecida que veio para o funeral do irmão
o músico organista de feições graves e funestas
o café central e toda a sua horda de clientes sabáticos
os cães livres de trelas e donos
os poetas plantados pelo caminho que é deles
os que, sendo poucos, fazem muito
os que, sendo muitos, fazem pouco
os que gemem e riem, alto, enquanto existem
os que leêm, seduzidos ou esquecidos
da nostálgica complacência dos que longe
os exaltam e excedem no olhar
os condoídos, de bíblia de bolso sempre na mão
reféns de uma fé amarelecida pelo tabaco
nas ponta dos dedos e fotos da Nossa Sra de Fátima, suadas
nas bordas e ainda os velhos, sentados, sonolentos
ao redor de mesas, como virgens apascentadas
pelo ocaso da vida

II
Todas as manhãs, subverso, deslizo sobre a terra
e faço-me um Deus-sol a repartir humanas e cansadas
peleias

Pelas ramadas e muros alvos cresce
a forma abstracta
por dentro alheia, à cor e ao cheiro
circunscreve a ideia de
paz e antípoda

    [deixando de querer
      vive-se, tolera-se uma presença presa]
apenas ancorada nas sombras
das árvores que ouso olhar
seduz-me o dom dos pequenos vícios presentes
no verso das paisagens

III
Todas as manhãs, uma imensidão de objectos
descartáveis, passa e sopra uma oração
surda

[Senhor, a verdade é que não
sou igneo, por certo morri já, frio e apenas
me invento numa loucura de estio]

onde a alma se esgota. Deixei de tolerar
o adeus; das pessoas reduzo-me a uma
frase sintética, tipo – etiqueta oceânica, sem sal
e esquivo-me à intimidade de gestos
lunares

Deposito uma hóstia de cinzas
num delírio de corações cremados e aceno
ao indelével contorno dos campos onde
corpos renascem

sempre.

© 2017, José Coelho