segunda-feira, 19 de março de 2018

Paisagens Vespertinas

Paisagens Vespertinas

Inúmeras vezes, sem me dar conta da razão, voltei. Havia uma atracção vã pela matéria e pelo cheiro; uma viscosidade dócil que aderia à química do coração. E na pele vespertina, esboços de fugas para um amanhã.

Mais tarde apercebi-me também da importância do som. Para lá disso mesmo, era um embalar de motor que encaixava plenamente nos espaços livres. Completo o puzzle, produzia-se assim o efeito solução e tudo concorria para um pico de pura felicidade vernal.

Devo admitir que amiúde fantasio com estas recordações e que apesar de distantes e finas no tempo, a sua aura foi evoluindo para algo que hoje poderia classificar de patético e sublimado – entenda-se que é tudo na minha imaginação.

Há ainda pouco tempo, tive o prazer de ser assaltado por um conjunto de emoções que inexplicavelmente me levaram ao pranto. Regozijei-me com esse momento de ilusão; apesar de curto, foi real.

© 2018, José Eduardo Coelho


domingo, 18 de março de 2018

Paisagens Rúbeas


Paisagens Rúbeas

Sentir aquele prazer infantil, de nada
ter de fazer, senão estar e observar
uma dormência que desce pela espinha
o quanto, apesar de inúteis somos
queridos, presentes, constantes como
peça de joalharia fina, ao pescoço
brilhando, escondida

Acerco-me desses dias apenas
vagamente induzo propriedades quentes
que acredito residirem algures
dentro de mim posso
acordá-las e olhá-las com a inércia
da saudade

Depois há os mapas, que digo
serem de cidades, mas em verdade são
representações das almas que já
amei e amo

Habito-as a todas, ensino-as
por quadrantes e linhas respeito
cada casa, cada parque, cada rio
memorizo seus cursos

até à foz há-de ser
oceano.

© 2018, José Coelho



quarta-feira, 14 de março de 2018

Lascívia e Mel


Lascívia e Mel

Os pressupostos são claros. Lascívia e mel para toda a gente. Pequenas doses faseadas ao longo do dia, mas a intervalos mais curtos pela manhã. É essencial introduzir o estímulo pela garganta dos oprimidos e madrugadores. A bem da esquinas ou doutras zonas pontiagudas, que florescam os lírios e/ou as açucenas cândidas, que se ruborescam faces e seios se ajeitem. Do leite surgirão as curas dos nossos problemas, tão míseros como
catequistas. Seguiremos bocejando às portas de monumentos de alvenaria, bem como de freiras conventuais ou ainda de lustre de conas benzidas.
Sem mais de momento,
Porra!

© 2018, José Coelho



Flowers, Debris and Lost Towns


Flowers, Debris and Lost Towns

Walking again on thorny stones, naked 
feet cooling off the desire that bursts 
from the earth beneath; like little butterflies 
sketching hearts 
in the sky
and a sort of imagination setting feathers off 
onto mountain peaks

To you, now, the hand that observes 
yours 
as it slides between my fingers
down to the sides of your
sex. Or maybe us walking 
above water, whereas the realization 
there's no end 
to the distance, left alone the touch
the learning, the living
pops into my mind

As rivers fill, I must secure 
ripe fruit from drowning. Two minutes 
will be enough. To die not
i feed my hunger, holding my breath the closest 
to the memory 
and jump diving into the cold. There 
I search among flowers, debris and lost towns. But 
yours is nowhere to be found

A bird's chanting 
makes its way to the sky. Its sound 
is the trigger that shall mean both 
men and nature's rise

One day. Near.

© 2018, José Coelho



domingo, 4 de março de 2018

Lucky One


Lucky One

In reality, it all goes down to a set of dynamically emotional pictures faithfully kept at the media library of our cerebral cortex.”

It would maybe be around six-forty. Time entered slowly into that edged luminosity - the hour when tips are broken, ceasing to be, and brief stories hand-and-line mended are resumed. A mother returned home, from work, walking. A necessary survival as well as learning life constant. A child waited by the window. A lingering heartbeat, measuring the thickness of fear, stuck to the darkness beyond the cold glass. An urgency of blood ran through the city arteries. The trees, so far uncovered and muted, were the melancholy. That we shared, all of us, like air and water and earthly roots. Then there were the eternally immaculate birds, which in these days went sheltered in arcades and chimneys. One waits upon the arrival under the awe of sickness. Maybe the one and only possible way.

Ten minutes would probably have gone by when the thud sounded beyond the gates and walls, and the red stained the paint-white and the dark tar-gray. On the road, a mother-woman lay. For a moment everything stopped, except the clots, gushing. Two ambulances came. People gathered in frigid anguish. Everything went as planned.

The child hugged the mother more intensely. This time, she was lucky.

© 2018, José Coelho