Considerações
Baronescas
I
Todas
as manhãs ocupo a posição do sol
da
mesma colina do declínio, observo o fascínio
Iludem-me
os desnexos das constantes repetições
no
dia que entra. A jorros de noroeste
um
contínuo sacudir de estevas e acácias ensaia o vento
e
envolve
a
desconhecida que veio para o funeral do irmão
o
músico organista de feições graves e funestas
o
café central e toda a sua horda de clientes sabáticos
os
cães livres de trelas e donos
os
poetas plantados pelo caminho que é deles
os
que, sendo poucos, fazem muito
os
que, sendo muitos, fazem pouco
os
que gemem e riem, alto, enquanto existem
os
que leêm, seduzidos ou esquecidos
da
nostálgica complacência dos que longe
os
exaltam e excedem no olhar
os
condoídos, de bíblia de bolso sempre na mão
reféns
de uma fé amarelecida pelo tabaco
nas
ponta dos dedos e fotos da Nossa Sra de Fátima, suadas
nas
bordas e ainda os velhos, sentados, sonolentos
ao
redor de mesas, como virgens apascentadas
pelo
ocaso da vida
II
Todas
as manhãs, subverso, deslizo sobre a terra
e
faço-me um Deus-sol a repartir humanas e cansadas
peleias
Pelas
ramadas e muros alvos cresce
a
forma abstracta
por
dentro alheia, à cor e ao cheiro
circunscreve
a ideia de
paz
e antípoda
apenas
ancorada nas sombras
das
árvores que ouso olhar
seduz-me
o dom dos pequenos vícios presentes
no
verso das paisagens
III
Todas
as manhãs, uma imensidão de objectos
descartáveis,
passa e sopra uma oração
surda
[Senhor,
a verdade é que não
sou
igneo, por certo morri já, frio e apenas
me
invento numa loucura de estio]
onde
a alma se esgota. Deixei de tolerar
o
adeus; das pessoas reduzo-me a uma
frase
sintética, tipo – etiqueta oceânica, sem sal
e
esquivo-me à intimidade de gestos
lunares
Deposito
uma hóstia de cinzas
num
delírio de corações cremados e aceno
ao
indelével contorno dos campos onde
corpos
renascem
sempre.
©
2017, José Coelho