sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Convite à inCompreensão

Convite à inCompreensão

Não sou famoso, nunca
gostei de o ser mas
posso dizer que urinei com o grande
Mário Viegas
Inclusive, conheci o som do seu
escarro
magistral

A minha infância ruíu com
medos titânicos – coisas contundentes
alterando anatomias e percepções, acidentes
de viação, corpos em sangue, esvaindo-se
o rumor de casas devassadas, de interiores cinza e
águas barrentas a conspurcar a cor plácida dos
sobreviventes

Um dia resolvi deitar fogo
a tudo, que foi como
esquecer conteúdos, matérias, vontades
e recuperar a minha identidade
original: despi-me
dos outros, das suas bagagens, das suas
cidades
até sentir-me

Voltei então a segurar-me numa
vida normal, tipo
ler, trabalhar, namorar e claro
colecionar selos e moradas -
que vinham dos quatro cantos
do mundo -
terá sido por essa altura que
comecei a olhar para as
coisas
com que habitava; uma
cadeira foi-me particularmente
querida: estudei-a, desenhei-a e
quando recebia visitas
era nela que se sentavam
primeiro

Não sou famoso, nunca
me revi nos prazeres dos sociais, porém
posso gabar-me de ter privado com o actor
Mário Viegas
Inclusive, conheci a jactância das suas
pupilas
colossais

© 2016, José Eduardo Coelho




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