Nem Rosas Nem Lágrimas
I
Dever-me-ia
enlevar
pela
sua mundanidade, mas
esta
cidade desgosta-me;
as
suas avenidas novas, largas e
outrora
modernas
entristecem
à sombra tórrida
dos
plátanos
envelhecidos
a monóxido de carbono
e
a resíduos de incineradoras
hospitalares
Existe
algo de marroquino - na sua
vertente
francesa - porém pecando por
excesso
de organização e
previsibilidade;
nesta
cidade, desconheço
o
nome das ruas e das
pessoas
– todas me parecem
lorpas,
mesmo as mais ousadas
no
requinte, dúbio e nas vestes simples ou
elaboradas
Das
esplanadas, o odor amargo-doce
do
café, o burburinho atlântico
da
espuma creme, desfazendo-se
nas
margens cerâmicas
polidas,
das paredes onde
bêbados,
loucos e drogados
se
encostam e espreitam
ensimesmados
Nas
arcadas, vendedores
de
rua apalpam o chão enquanto
se
vendem com ladainhas ensalivadas
a
galôes e bagaço; nos bolsos
as
migalhas do pequeno almoço
entre
moedas e mortalhas
II
Detesto
as donas de casa, os engravatados
e
os doutores, só por
serem
ou estarem
nesta
cidade
onde
me
falam de paços, bibliotecas, parques
teatro,
cinema, arte;
falam-me
de tradição, cultura, conhecimento
mas
eu vejo é corredores de macas
incógnitas,
pessoas gemendo
incógnitas
à espera de (...)
e
salas de um branco sujo e
enfermeiras
de batas roçadas, sujas
e
tudo ligeiramente impregnado em
formaldeído
e distância
e
as visitas de domingo e as esperas
e
a viagem de carro e a pastaleria onde
comprávamos
os suspiros e os
compais
que escondiamos entre os
cobertores
ruços – na esperança;
depois,
à saída, as mesmas pessoas mas
ao
contrário – os pés direitos, os tubos
de
respiração, as faces esquálidas
num
bocejo inacabado
e
as enfermeiras
indiferentes,
passando
sem
tocar
na
solidão, penso. Depois
desligo
até ao próximo
domingo
III
A
horas
as
colinas fecham
horizontes
e o rio, afrouxa
sem
saber se há de correr para
jusante
ou tornar súbito
às
serranas origens
O
penedo, esse
lá
fica
transpirando
saudades
nesta
cidade, sem rosas
nem
lágrimas, onde
nem a morte
quis
ficar.
©
2016, José Coelho