terça-feira, 30 de setembro de 2014

Cidades

Cidades
Estaciono o carro. O local é novo para mim, apesar de nele eu encontrar muitas semelhanças com o bairro onde vivi. Será seguramente dos anos 60, quanto muito, finais dos 50.
Levo a minha filha mais nova à sua aula de ginástica, semanalmente tem três, uma é na cidade. Nem sempre me apetece vir, mas hoje é um daqueles dias de outono estival que pedem bonomia e relaxamento.
Entrego-a no meio de totós, fatos, arcos e salsa, muita salsa.
Distraio-me à saída com a quantidade de mães que sentadas nos degraus da escadaria, esquadrinham informação nos seus regaços, infalivelmente cibernaúticos.
Regresso ao carro, atravessando o mesmo bairro pitoresco e bucólico, com as suas vivendas normais cheias de trepadeiras e flores. Do átrio das casas chegam-me odores familiarmente esquecidos, a sopa e roupa lavada, a estojos de escola e sebentas rabiscadas a lápis de carvão; as memórias de jarros e rosas invadem o r/c daquele jardim ladeado com hortenses roxas e liláses.
Tabaco. Passa uma senhora. Cumprimenta-me com desdita, só quanto baste. Conhecer-me -ia? Sei que não. Apresso-me a devolver-lhe as boas tardes.
Reparo que estou na praça dos Açores e no centro desta ilha, de partida, um parque infantil entretém outras mães e outras crianças, mais presentes aquelas, envolvidas elas também no doce brincar de um fim de tarde que até parece, feliz.
Penhoro-me nesta transumância urbana, já com o livro e um bloco de notas na mão, enquanto caminho de novo pelo bairro, mas agora por outra rua.
Sempre em frente, depois à direita e desemboco no cruzamento que divide o bairro em dois, zona clássica e zona moderna. Entre sons de violino e clarinete, a silhueta de uma bailarina aponta-me, por instantes.
Sei que vou sentar-me naquela esplanada, lado moderno, com vista para as pessoas que passam com algum sentido saído dos seus muitos desejos.
Entretanto, a passadeira. Aproximo-me. Um carro desce a rua no sentido oriental. Vem com pressa. Espero. Estou paciente. O carro parou e pelo vidro vejo o condutor, num gesto resoluto, ordena-me que passe... quanto antes. Passo, tento não ligar. A meio ainda lhe aceno um obrigado que poderia ser de condescendência ou de reconhecimento da sua boa vontade. No intímo faço-lhe piretes desde o mais pequeno ao mais extravagante, mas passo e finalmente assento na esplanada o meu pedido de uma cerveja, fresquinha... Sagres, se possível.
Enquanto aguardo
puxo do meu bloco de notas e
ponho-me a escrever.

Obrigado meu!!!


© 2014, José Eduardo Coelho

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