Cidades
Estaciono
o carro. O local é novo para mim, apesar de nele eu encontrar muitas
semelhanças com o bairro onde vivi. Será seguramente dos anos 60,
quanto muito, finais dos 50.
Levo
a minha filha mais nova à sua aula de ginástica, semanalmente tem
três, uma é na cidade. Nem sempre me apetece vir, mas hoje é um
daqueles dias de outono estival que pedem bonomia e relaxamento.
Entrego-a
no meio de totós, fatos, arcos e salsa, muita salsa.
Distraio-me
à saída com a quantidade de mães que sentadas nos degraus da
escadaria, esquadrinham informação nos seus regaços,
infalivelmente cibernaúticos.
Regresso
ao carro, atravessando o mesmo bairro pitoresco e bucólico, com as
suas vivendas normais cheias de trepadeiras e flores. Do átrio das
casas chegam-me odores familiarmente esquecidos, a sopa e roupa
lavada, a estojos de escola e sebentas rabiscadas a lápis de carvão;
as memórias de jarros e rosas invadem o r/c daquele jardim ladeado
com hortenses roxas e liláses.
Tabaco.
Passa uma senhora. Cumprimenta-me com desdita, só quanto baste.
Conhecer-me -ia? Sei que não. Apresso-me a devolver-lhe as boas
tardes.
Reparo
que estou na praça dos Açores e no centro desta ilha, de partida,
um parque infantil entretém outras mães e outras crianças, mais
presentes aquelas, envolvidas elas também no doce brincar de um fim
de tarde que até parece, feliz.
Penhoro-me
nesta transumância urbana, já com o livro e um bloco de notas na
mão, enquanto caminho de novo pelo bairro, mas agora por outra rua.
Sempre
em frente, depois à direita e desemboco no cruzamento que divide o
bairro em dois, zona clássica e zona moderna. Entre sons de violino
e clarinete, a silhueta de uma bailarina aponta-me, por instantes.
Sei
que vou sentar-me naquela esplanada, lado moderno, com vista para as
pessoas que passam com algum sentido saído dos seus muitos desejos.
Entretanto,
a passadeira. Aproximo-me. Um carro desce a rua no sentido oriental.
Vem com pressa. Espero. Estou paciente. O carro parou e pelo vidro
vejo o condutor, num gesto resoluto, ordena-me que passe... quanto
antes. Passo, tento não ligar. A meio ainda lhe aceno um obrigado
que poderia ser de condescendência ou de reconhecimento da sua boa
vontade. No intímo faço-lhe piretes desde o mais pequeno ao mais
extravagante, mas passo e finalmente assento na esplanada o meu
pedido de uma cerveja, fresquinha... Sagres, se possível.
Enquanto
aguardo
puxo
do meu bloco de notas e
ponho-me
a escrever.
Obrigado
meu!!!
©
2014, José Eduardo Coelho