quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Aparas de Lápis

Aparas de Lápis
A escrita como forma de purificação espiritual, fascina-me enquanto cheiro
das aparas de lápis, das sobras de borracha, da tinta de canetas permanentes; o próprio papel, na sua micro estrutura têxtil, reúne um leque de variados odores – bafio, palha, cola, pigmentos, sândalo e entre muitos mais, tudo o que da água a fibra guarda
Algumas palavras requerem um traço mais cuidado - o ângulo, a grossura, a nitidez ou a sobriedade dos arrebiques – outras pedem para ser usadas até à exaustão do seu significado, numa ameaça grave que nunca se concretiza. Depois há aquelas que nos distraem - egoístas, ciumentas – e nos desviam do único sujeito passível
e porém, a dependência a que me obriga, transporta-me para um universo, aonde sozinho, me enlevo e vicio.
© 2016, José Coelho

Apenas Isso

Apenas Isso

Havia a todoo redor um sabor a bruma e terra fresca
Havia um caminho flanqueado de copas altas, frondosas -
ao fundo, a silhueta de uma serra a negrito, ou talvez nuvens, daquelas que iludem a realidade, ou ainda prédios numa colina distante -
no máximo, uns cem metros que se caminham numa combustão lenta de oxigénio e poesia.
Havia o machucar seco de folhas no chão e o acenar colorido das que nos ramos ficavam, entretidas.

No final, tudo se clarificava e reduzia à funcional geometria do sucesso.

© 2016, José Coelho



sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Castelos e Masmorras

Castelos e Masmorras

A imaginação expande
os ténues fios que nos ligam
as extremidades proporcionando-nos
o deleite de verdadeiros momentos improváveis ou a angústia visceral e fatídica
de salas escuras e espectros frios.

É ela que regula a lividez destas paredes e a morfologia insatisfeita do declínio outonal

É ela que exala a flor do contentamento para lá dos limites desta cidade e destes corpos

É ela que tece a sintaxe da paixão
e do medo

Os seus passos cativos, ecoam
seus cabelos lustrosos, esgueiram-se
entre ondas e colos impulsivos
seus beijos, deslumbram
na textura seus olhos ostentam
a luxúria de mil cavalos
marinhos
e seus dedos capricham espumas
oceânicas -
mas os castelos e as masmorras, esses
habitamo-los nós.

© 2016, José Coelho



quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Late Night Split

Late Night Split

For a start
If I let my hands work
on your skin
will I grow to grasp the form
immured
inside you
or maybe trap myself
to blindness


© 2016, José Coelho

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Gestos Vãos

Gestos Vãos
Perante a evidência da altura, há pouco a fazer. Saltar significa voar ou morrer; e porém, a atração é tal que não saltar é definhar atrozmente. Vejo-o e registo as cores fatídicas do medo, arquivo lamelas de secreções glandulares, memorizo as horas e a luz. Simulo, parado, todo o trajecto, numa descrição de gestos vãos. Depois passo os dedos nas tuas pernas e faço o que devo fazer.



© 2016, José Coelho

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Sou Lento

Sou Lento

Sou lento, por antítese.
Na escolha das palavras, durmo
nos nomes, mergulho
meu olhar húmido nessas mãos
índicas, despojadas, onde
águas revolvem e marés
embalam o sentido
das coisas
Sou lento, por paixão
Comungo de um sentimento de espaço
livre, inaudito, oracular
onde o tempo aprende a espera
Sou lento, por desígnio
aceito a genética molecular
e as incertezas, por princípio
sei que no fim
só tu.


© 2016, José Coelho

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Unruled

Unruled

And while the music played
his closed eyes
danced, for as long as
his imagination
ruled


© 2016, José Coelho

Arquétipos de Fuga

Arquétipos de Fuga

O percurso é linear, estamos
numa planície -
pressinto o efeito da altitude -
aliás a julgar pela neve, dir-se-ia
mesmo, num planalto
A máquina avança, lesta
ao encontro do seu destino
Por detrás do vidro duplo, a paisagem
confirma o movimento em tons
de madeira, vermelho-terra,
por vezes lavanda
O horizonte é amplo, a orografia convida
a parar o pensamento, onde
fios metálicos ondulam
por entre as árvores despidas
uma constância de intentos no céu velado
cinza, afigura-se
Poderiamos imaginar que nesse instante
preciso, a humanidade se condensaria em finíssimos
paus de fósforo, invisíveis e que todos juntos
caberiam num dedal; esse
estaria no centro do meu olhar e congregaria
todos os pensamentos, emoções -
arquétipos de fuga - qual
dádiva a partilhar, de todos
para todos
num intervalo sem
fim.

© 2016, José Coelho

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Palavra Oca

Palavra Oca

A natureza do desconhecido, provoca
assusta-nos o vermelho
das suas afirmações engolem-nos
vísceras
entre abraços e carícias
deleitamo-nos nas águas densas
desses pequenos infinitos
quentes

Os passáros morrem de amor
enquanto passamos
as mãos tremem e aninham-se
nas suas sombras

Por ti, penso
moldá-las
filtro a luz, sou vitral
agito-me
no teu regaço, bebo
incansável

e certo dia a morte
deixa de ser uma palavra oca


© 2016, José Coelho

Close To 3AM

Close To 3AM

Sadness is a strange
mother fucker -
knocking as smooth as a priest
leaving you emptied
as a burglar
would

© 2016, José Coelho


sexta-feira, 11 de novembro de 2016

S/ Título

A pele memoriza o toque
por vezes mais
que o cérebro -
nervuras capilares.

José Coelho, 2016

Adherent Film

Adherent Film

Thin as bubbles'
surface

People are sitting in rows
of chairs
or standing still
by the walls and bar

On the rear a table
gets to be the spot
to look at
on occasions
the mind bounces through
the bubbles, swaying fringes of
recent episodes - like
indulging in a sleepless life or
love museums cooling off
by the water – I urge
to take distance
from

Proud as imperial bushes
three women sit by the table
sparrows picking at their
berries
collecting all the rubbish
fixing anecdotal jokes like tears
running down
their cheekbones
ice melting over the floor
fruit and stuff, all juicy
afloat, somewhere
there's a sign -
get lost if you hate me -
so I stay
I feel hungry
and whimsy, I crave
for sex and
kisses
walls thrive between us
as they talk and talk
silently, one by
one
insistently
describing the thickness of their
tongue, the taste of
their words; the sound of plumage
randomly falling
excels
much of everything -
no touching, please

I prefer chaffing and
degusting exotic breakfasts
in bed – feel the blood
delivering food to
cells
while memories come adherent
film free.


© 2016, José Coelho

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Thursday Night

Thursday Night

Steps echo through
what appears to be a long
corridor. Wind blows, carrying
an old southern
wet odor. The woman outside
waits, under
the dimmed street light
her contour
assuming different
forms

as I approach
the last lines, I realize words
have become an invitation
to the knowledge
of love

and feathers keep falling
from desert trees, resting
their wit
in slopes of sand -
steep moving
sand

Now closer
she bends over
her own shadow, picking
something
from the ground – maybe
foliage leaf
maybe a letter -
at the center of the corridor
the sky is a huge
black vault
speckled in pure
white
and we
are so tiny.

© 2016, José Coelho