terça-feira, 10 de abril de 2018

Anatomia de Nós

Somos amiúde
mais que mãos, dedos, olhos, chuva, cheiro, terra
amiúde há que optar pelos sítios mais inócuos
para que o toque não se quebre e continue
sendo o requinte de uma pétala
a florir encurvada, rosa-creme-leite
pálpebra semiaberta, humedecida quase
rio, amiúde somos
água deslizando sem razão, apenas
uma força que puxa matéria
aquela escondida por detrás do olhar
das mãos, dos dedos amiúde surge
a gravidade das coisas
dos sítios das palavras nascem
arrepios e pensamentos
da forma e textura da pele
levanta-se a briza que aflora o mar
suave até ao abismo e deleite
da espuma.

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Anatomy of Us

We are often
more than hands, fingers, eyes, rain, smell, earth
we often have to choose the most innocuous place
so that the touch doesn't break and continues
being the refinement of a petal
flowering curved, rose-cream-milk like
half-open eyelid, almost moistened
we are often
water sliding for no reason, just
a force that pulls matter
the one hidden behind the gaze
of hands, of fingers often arises
the gravity of things
within words plot are born
shivers and thoughts
the shape and texture of skin from which
the sea breeze rises touching the surface
smooth up to the abyss and foam's
delight.

© 2018, José Coelho

domingo, 8 de abril de 2018

Alameda Sul


No outro dia pude verificar o quanto em nós vive, sem nos pertencer. E à medida que avançava por ruas ladeadas de lápides de mármore e cimento, eram árvores de ramos cinzentos a chorar infinitésimas lágrimas verdes, daquele verde vida, tenro, transparente, iniciador dos espaços e das estações.
Opto, normalmente, por não falar a ninguém. Absorto em ideias de sentimentos, elapso o tempo numa espécie de roteiro do intocável, frágil mas sereno, eu.
Também nunca soube o número exacto, aquele que me levaria à morada certa, rapidamente. Requer-se um um processo de aproximação algo ansioso, uma forma imperfeita de adequação a um mundo singelo, desconhecido. Ao invés de certezas, oriento-me pelos edifícios que ladeiam o lado sul. E sei que à semelhança de em vida, na morte ela permanece por perto. Como se não ousasse afastar-se da sua identidade.

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The other day I was able to verify how much in us lives, without our belonging. And as I moved along streets lined with tombstones of marble and cement, it were trees of gray branches weeping infinite green tears, the sort of that life green, tender, transparent, initiator of spaces and seasons.
I usually choose not to speak to anyone. Absorbed in ideas of feelings, I spent time in a kind of script of the untouchable, fragile but serene, me.
I was also never aware of the exact number, the one that would take me to the right address, quickly. It requires a somewhat anxious process of approximation, an imperfect form of adjustment to a simple, unknown world. Instead of certainties, I focus on the buildings that line the southern side. And I know that as in life, in death she remains near. As if she didn't dare to turn away from her identity.

© 2018, José Coelho